Vivemos uma encruzilhada.
Por um lado, testemunhamos avanços tecnológicos que prometem tornar nossas vidas mais práticas, conectadas e eficientes. Por outro, sentimos — mesmo que de forma sutil — que estamos nos afastando de algo essencial: a espontaneidade, a verdade e a presença real nas interações humanas.
É nesse contexto que três notícias recentes nos ajudam a conectar os pontos de uma transformação silenciosa e profunda nas relações digitais:
- A Meta começou a testar comentários sugeridos por inteligência artificial no Instagram.
- O LinkedIn já é palco de uma avalanche de conteúdos e interações geradas por IA, criando uma bolha de superficialidade.
- A Samsung anunciou o desenvolvimento de óculos com IA integrada, utilizando o Gemini AI Assistant, para que possamos acessar informações diretamente pelos olhos — literalmente.
Isoladamente, essas notícias podem parecer inovações pontuais. Juntas, elas formam um padrão claro: estamos entrando na era das redes sociais sintéticas, onde o conteúdo é gerado por máquinas, os comentários são automáticos e os dispositivos se tornam parte do nosso corpo. O ser humano segue presente — mas cada vez mais mediado por algoritmos.
A automação do engajamento: comentários por IA no Instagram
A decisão da Meta de sugerir comentários prontos por IA nos leva a um ponto crítico: automatizar a interação social.
Hoje, quando comentamos em uma publicação, há uma escolha, uma intenção. Mesmo que breve, é uma forma de expressar algo único. Agora, imagine receber sugestões como “Lindo demais!”, “Parabéns pelo trabalho!” ou “Que foto incrível!” — todas geradas por um algoritmo que aprendeu o que costuma gerar engajamento.
Essa conveniência esconde um custo: a perda da autenticidade.
Se todos os comentários são parecidos, genéricos e automáticos, eles deixam de ter peso emocional. Tornam-se ruído.
E o mais curioso é que isso pode afetar diretamente a performance da própria rede. Afinal, se o conteúdo e os comentários se tornam previsíveis e repetitivos, o tempo de permanência do usuário cai, o interesse diminui, e o senso de comunidade — o verdadeiro coração das redes sociais — se esvazia.
LinkedIn: o palco da padronização sintética
Enquanto o Instagram começa a testar comentários automáticos, o LinkedIn já vive um outro estágio dessa transformação.
Hoje, boa parte dos conteúdos de influenciadores, líderes de empresas e até de profissionais autônomos são gerados por IA. Isso inclui desde os posts até os comentários de resposta. Já existem cursos ensinando a estruturar perfis e agendas de conteúdo com ferramentas como ChatGPT e Jasper.ai. O resultado? Uma profusão de textos com estrutura semelhante, frases de efeito recicladas e interações pasteurizadas.
Estamos vendo um ciclo curioso:
- Um post é gerado por IA.
- O leitor comenta com uma frase sugerida pela IA.
- O autor responde com um template criado… adivinhe… por IA.
É uma conversa de robôs. E isso não passa despercebido por quem consome conteúdo diariamente na plataforma.
Usuários mais atentos já começaram a apontar que tudo parece “mais do mesmo”. E, como consequência, muitos se desconectam ou se tornam céticos em relação ao valor do que veem ali.
O paradoxo é evidente: nunca foi tão fácil produzir conteúdo — e nunca foi tão difícil se destacar de forma verdadeira.
Óculos com IA: o conteúdo nos seus olhos
Enquanto isso, no campo dos dispositivos, a Samsung entra na corrida da computação imersiva com seus smart glasses, equipados com o Gemini AI Assistant, do Google. A proposta? Permitir que as pessoas acessem dados, naveguem na internet, assistam a vídeos e recebam informações — sem precisar olhar para o celular.
É o início de uma nova era: a da IA ubíqua e invisível.
Esses óculos podem revolucionar áreas como:
- Medicina, ao fornecer dados durante uma cirurgia;
- Construção civil, permitindo acesso a plantas e instruções em tempo real;
- Agronegócio, ao entregar dados de solo, clima e produtividade;
- Esportes, oferecendo estatísticas ao vivo durante o jogo;
- Mobilidade urbana, ajudando motoristas de ônibus ou trem com informações de rota e segurança.
É claro que o potencial é imenso.
Mas ele traz um novo desafio: quando a IA está em tudo, ela deixa de ser percebida — e passamos a depender dela sem nem notar.
Do dedo ao olho: o salto da IA para dentro de nós
Se voltarmos ao início da discussão, veremos que há uma progressão clara acontecendo:
- Antes, comentávamos com nossos dedos (digitando);
- Agora, a IA nos oferece comentários prontos (basta clicar);
- Em breve, poderemos apenas piscar ou falar, e os óculos farão todo o resto.
Essa jornada não é apenas tecnológica. Ela é filosófica.
Estamos terceirizando a nossa atenção, voz e opinião. Em troca de conforto, nos afastamos da autenticidade.
A IA avança em capacidade exponencial — dobrando sua potência a cada sete meses, segundo alguns estudos. E, ao mesmo tempo, nossa comunicação se torna cada vez mais padronizada, impulsionada por templates, prompts e respostas geradas por modelos treinados em grandes volumes de texto.
Qual o impacto disso nas marcas, nas pessoas e no futuro?
Se tudo é gerado por IA, o que ainda é verdade?
Marcas e influenciadores que apostam em automação total podem colher ganhos de curto prazo: mais posts, mais visibilidade, mais interações. Mas esse crescimento vem com um preço: a desconexão emocional.
Por outro lado, marcas que optam por um equilíbrio saudável — usando a IA como apoio, mas mantendo o toque humano — têm uma vantagem competitiva importante: conexão verdadeira.
A autenticidade será o maior ativo das empresas no futuro próximo.
As pessoas vão valorizar:
- Histórias reais, com erros e acertos;
- Bastidores que mostram o “não editado”;
- Respostas humanas, mesmo que mais lentas;
- Opiniões próprias, e não versões reescritas de outras opiniões.
Um novo tipo de influenciador: o “desintoxicado digital”
À medida que a inteligência artificial se integra em todos os aspectos da comunicação, surgirá uma nova geração de criadores e influenciadores: aqueles que escolhem ser menos digitais para serem mais humanos.
Essas pessoas não vão se destacar por terem mais posts — mas por dizerem coisas que só elas poderiam dizer.
Serão os anti-templates, os anti-prompts, os que recusam a pasteurização do conteúdo.
E isso, ironicamente, será o que os tornará virais: a coragem de ser real em um mundo sintético.
Estamos perdendo o toque — e precisamos resgatá-lo
A automação chegou aos nossos dedos, às nossas palavras e agora aos nossos olhos.
Mas o coração da comunicação — o desejo de se conectar com o outro — ainda é humano.
A Meta pode sugerir comentários. O LinkedIn pode estar cheio de textos prontos. A Samsung pode colocar o mundo diante dos nossos olhos. Mas a essência da comunicação continua sendo uma escolha:
Falar ou calar. Comentar ou refletir. Automatizar ou expressar.
A tecnologia avança. A pergunta que fica é: vamos com ela, ou vamos nela?