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Até quando vamos entregar de graça a nova commodity que move o mundo?

A evolução tecnológica nos levou a uma era de abundância e oportunidades. Acabamos de ver que somos capazes de desenvolver diversas vacinas, produzidas num período de menos de 1 ano, para controlar uma pandemia histórica. Mais um recorde quebrado pela humanidade, que usa todas as ferramentas que inventou para superar os problemas que criamos para nós mesmos. A tecnologia nos permitiu acelerar o tempo de uma forma que, até então, era pura ficção científica. 

Olhando pela perspectiva desenvolvimentista, podemos dizer que o mundo está melhor.  Mesmo num ano de pandemia, a produtividade global segue crescendo. Mais lentamente, mas crescendo sempre. A mortalidade infantil global vem caindo todos os anos. Com a ascensão da China, a quantidade de pessoas vivendo na extrema pobreza, vinha caindo de forma acelerada até 2015. Ou seja, na última linha, o mundo vai bem. Mas, segundo a ONU, mais de 1/3  das pessoas do mundo não têm acesso a água tratada. E 2/3 não tem serviço de saneamento básico. Essa condição acima da extrema pobreza é, na verdade, uma linha de sobrevivência apenas. Ainda falta bastante para podermos olhar no espelho e dizer que o ser humano tem condições dignas de vida.

A verdade por trás do crescimento econômico é que a desigualdade no mundo nunca foi tão acentuada como nos últimos 20 anos. O relatório apresentado no Fórum Econômico Mundial é bastante assustador: 1% da população mais rica do mundo tem mais do que o dobro do que o restante da população. E não se engane. Você certamente está entre o tal “restante da população”. 

O dilema da desigualdade.

É realmente intrigante olhar toda evolução tecnológica e o nível de automação que vivemos confrontado com essa realidade desigual no planeta. O senso comum sempre nos leva a imaginar que estes números refletem o cenário de países pobres que não souberam se preparar para o momento, com investimento no setor educacional, em infra-estrutura e que não souberam criar oportunidades para o setor empresarial, etc, etc, etc. Só que a desigualdade é bastante democrática e vem aumentando na Europa ocidental e nos EUA. 

O maior contraste dessa realidade de abundância tecnológica que vivemos e desigualdade crescente acontece no Vale do Silício. Segundo uma reportagem da NBC, pessoas não têm o que comer no bairro com a maior renda per capita de São Francisco. Muitos passam fome ao lado de empresas que valem 1 trilhão de dólares. A pandemia piorou o cenário até para quem ainda tinha um emprego no setor imobiliário no Vale do Silício. Recentemente, uma matéria do The Guardian mostrou que estes podem ser os próximos na fila do seguro desemprego. Muitos não querem mais voltar para os escritórios, que estão encalhados nas imobiliárias. 

Estima-se que até 2030, 800 milhões de empregos vão simplesmente desaparecer no mundo. Por isso, precisamos de ajustes importantes na forma como a sociedade se relaciona com o modelo de negócio proposto na revolução tecnológica. Se fala muito em uma classe de inúteis que não terão emprego no futuro (parece que o Brasil já está mais dentro do que fora desse futuro). Mas o que é ser “útil” no mundo de hoje? Será que a definição de pessoa produtiva ou economicamente ativa é a mesma da revolução industrial? Eu acredito que não. 

A revolução industrial criou grandes blocos de pessoas sem trabalho ao longo de suas fases nestes últimos 200 anos. Estas foram se reacomodando até formar a classe trabalhadora dos dias atuais. Em consequência dessas transformações, os legisladores foram regulamentando direitos e deveres que conhecemos hoje. 

A revolução tecnológica está criando uma nova classe de desempregados. São pessoas, que mesmo fora do mercado de trabalho, seguem alimentando a economia digital com seus dados. As bases de dados, que alimentam sistemas de inteligência artificial e automação, exploram nossa informação sem nenhum tipo de ressarcimento direto. Não somos pagos pelo que entregamos ao sistema. No máximo, trocamos produtos gratuitos que têm um custo infinitamente menor do que o ganho em cima dos dados. Nosso rastro de dados é o combustível que alimenta as caldeiras dessa nova era. 

A solução não passa por aumentar impostos. 

Taxar as grandes fortunas e empresas de tecnologia significa tratar um problema novo com remédio antigo. Hoje temos tecnologia suficiente para rastrear exatamente quando e como nossos dados são utilizados. Plataformas de ativos digitais, como o Socios.com, remuneram seus usuários que realizam atividades específicas através de ativos virtuais que podem ser trocados por dinheiro. Existem muitos outros exemplos semelhantes pelo mundo. A capacidade da tecnologia blockchain de rastrear e processar o consumo dos nossos dados pelas grandes plataformas traz uma solução viável para o problema da economia digital. A LGPD e outras regulamentações vieram para regrar apenas o uso dos dados, mas isso não significa que deixaremos de ceder o maior insumo da era digital de graça. É preciso ter uma regulamentação sobre o valor dos dados. Não somente pela permissão do uso. 

A perspectiva que coloca o dado pessoal como combustível da economia digital mostra que não somos tão inúteis assim. É uma questão de enxergar o verdadeiro ativo da revolução tecnológica para criar um modelo sustentável de futuro. Dessa forma, a visão de jornadas reduzidas de trabalho ou até de um salário básico universal são possíveis uma vez que não impactam a produtividade. Ao mesmo tempo em que a grande roda da economia segue girando a pleno vapor. Já existem diversos experimentos sobre jornadas de 4 dias e salário básico universal que provam que esse futuro é viável. Nossos dados pagam essa conta. 

Pode parecer uma visão otimista demais imaginar as pessoas recebendo um salário simplesmente por usar produtos e serviços digitais. Mas acredito que é justamente nossa capacidade de vislumbrar um futuro positivo que nos permite criar soluções inovadoras. A desigualdade hoje já é suficientemente distópica. Agora, precisamos pensar e agir para refazer nossa relação com a economia para o mundo prosperar com mais justiça e igualdade.