Por Fabiano Goldoni – Publicado na Newsletter do Linkedn
O Brasil assiste, talvez sem a devida solenidade, ao nascimento de dois projetos que, não fossem feitos de fibra ótica e silício, poderiam ser confundidos com grandes obras de infraestrutura. Diferentemente destas, porém, os data centers não produzem energia, mas a consomem em escala monumental. Estou falando da Scala Data Centers, em Eldorado do Sul (RS), e da Rio AI City, no Parque Olímpico da Barra (RJ). Não são fábricas, nem exatamente cidades, mas há algo de siderúrgico e urbano, de Getúlio Vargas com Steve Jobs, nesse movimento de gigawatts e algoritmos.
Ambos os empreendimentos acenam com números estonteantes. O Scala projeta consumir até 5 GW. O Rio AI City, até 3,2 GW. Ambos puxando energia do Sistema Interligado Nacional (SIN) como quem toma água do rio. Juntos, querem mais da metade da capacidade de Itaipu. Não para mover turbinas, mas para treinar modelos de linguagem e abastecer nuvens digitais.
Estamos diante de uma nova industrialização, mas não à moda de JK e seus “50 anos em 5”. Aqui, não há linhas de montagem ou operários de macacão azul. Há racks, cabos e refrigeração líquida, há empregos qualificados e promessas de carbono neutro. E há, sobretudo, energia. Muita energia.
O caso Scala, apoiado por governos estaduais e federais, chega com selo de “primeiro distrito industrial de data centers da América Latina”, como quem deseja reencenar a zona franca de Manaus, mas em versão pós-silício. Sua sede em Eldorado do Sul pode chegar a 10 milhões de metros quadrados, ou seja, um autêntico bairro de IA, só que com segurança cibernética em vez de polícia de bairro.
O caso Rio AI City é mais “tropical Silicon Valley”. Mistura regeneração urbana, smart cities e computação em nuvem numa mesma equação. Promete ser um hub de inovação que se conecta, não por estradas, mas por backbones de dados. Não é apenas um projeto de tecnologia, é uma tese urbanística, um delírio high-tech de pós-Olimpíadas.
Ambos prometem energia 100% renovável, o que no Brasil é uma frase que soa bonita, mas também ambígua. Afinal, toda essa renovação precisa caber dentro de um sistema elétrico que já anda apertado em horários de pico. Não por falta de produção, temos 208 GW instalados, mas por falta de gestão, transmissão e, claro, coerência entre o fiscal e o energético. É o velho problema do aperto entre o público e o privado, agora em versão digital.
A pergunta que ninguém quer fazer, mas que todos deveriam: e se faltar luz? Esses projetos, que consomem mais que muitas cidades, coexistirão com o resto do país sem puxar o cobertor alheio? Ou seremos um país com data centers de primeiro mundo e blecautes de terceiro?
O governo assegura que não haverá problemas. As reservas estão aprovadas, as conexões garantidas, os fornecedores contratados. O Brasil, diz-se, pode absorver isso. Mas sabemos que o sistema elétrico brasileiro é, no fundo, um microcosmo da política nacional: resiliente, mas cheio de gambiarras.
O país não vai parar, dizem. Mas não será por falta de tentativas.
A lição que fica, e que não é trivial, é que o Brasil está sendo puxado, mais uma vez, para o futuro. Mas como sempre, com os pés no barro e a cabeça na nuvem. A digitalização é o novo PAC. Só que com menos concreto e mais silício. Se vamos acertar, ninguém sabe. Mas, se errarmos, será em grande estilo.
Porque quando se trata de megawatts e promessas, o Brasil nunca economiza na voltagem.