O Brasil vive uma grande crise neste momento em que a pandemia parece se encaminhar para uma estabilidade. Porém existe um segmento no país que vem crescendo forte. O ecossistema de venture capital está quebrando todos os recordes de volume de investimento e quantidade de negócios. Fundos de investimento e empresas (corporate venture) estão injetando muito mais dinheiro em empresas inovadoras do que em qualquer outro momento da história.
Segundo a plataforma CBinsights, as startups brasileiras receberam mais de 10 bilhões de dólares de janeiro a setembro de 2021. Isso representa mais o que o dobro do valor investido no mesmo período de 2020.
Considerando que tivemos um momento de incerteza em 2020, além de crise política e econômica no país, podemos olhar para o histórico da América Latina num período maior no gráfico abaixo para ter uma visão mais regional. Não restam dúvidas que o ecossistema de startups vive um boom histórico.
Os fundos de investimento não foram os únicos que descarregaram bilhões de dólares em startups. Segundo o relatório Corporate Venture Mining Report da Distrito, a “velha economia” vem buscando se transformar em nova economia comprando inovação de balaio.
Uma aposta com 75% de chances de perder.
Segundo um estudo da universidade de Harvard, 75% das startups morrem antes de completar 5 anos. Esse número pode sofrer variações conforme a fonte e conforme o mercado ou região. Mas é bastante comum rondar a casa dos 80% e até 90%. Como eu sou otimista, fico com “somente” 75% de fracasso.
Os fundos de investimento e gestores de venture capital são extremamente criteriosos ao selecionar uma startup para receber um aporte. Antes de assinar o cheque, são feitas validações do negócio por executivos muito experientes, validação jurídica por escritórios de advocacia especializados, validações técnicas por executivos especialistas em tecnologia, marketing e finanças, além de muitas conversas olho no olho para garantir que aquele aporte fará parte dos 25% sobreviventes. Mesmo assim, a taxa de mortalidade tem uma boa margem para melhorias. Imagine se esse negócio é bom com 75% de fracasso, como seria se essa taxa de sucesso tivesse um incremento de 10%, 20% ou 30%?
Analisando os motivos de fracasso das startups, vemos que a maioria são razões comuns a qualquer negócio: falta de interesse do mercado, superação pelo concorrente, modelo de negócio falho, problemas legais, etc. O motivo número 1 é a falta de recursos para seguir adiante, o que não diz muita coisa, pois pode ser um reflexo de todos os motivos anteriores. Não adianta seguir injetando dinheiro em algo que tem problemas técnicos difíceis de corrigir.
Principais motivos de fracasso das startups:
Para ter uma visão mais próxima, o proprio CB insights tem um compilado com 386 depoimentos post-mortem de startups que se perderam pelo caminho rumo à escalabilidade.
Esse cenário de alta mortalidade de startups não é novo. Trata-se de um momento de transformação impulsionado por um ecossistema que incentiva o empreendedorismo e, com ele, o capital de risco em busca de retornos mais altos do que investimentos mais conservadores. O mundo já viveu isso durante a revolução industrial e, muitos séculos antes, na era das grandes navegações. As revoluções tecnológicas atraem, e também dependem, do capital de risco para acontecerem de fato. Se não tem investimento, as grandes ideias de novos negócios não têm recursos para serem testadas e colocadas à prova.
As razões para o fracasso.
Quando olhamos as causas de mortalidade das startups, vemos problemas técnicos como product market fit, modelos de negócios e, principalmente, go-to-market no relatório da necrópsia. Ou seja, são problemas técnicos que podem ser corrigidos com a melhoria do nível dos profissionais de gestão das empresas. Isso no mundo ideal onde temos abundância de profissionais altamente qualificados. No ambiente que vivemos hoje, temos uma grande escassez de todos os tipos de profissionais relacionados a estes problemas.
Neste momento há uma grande corrida global para capacitar mão-de-obra para este novo paradigma de inovação acelerada. O maior déficit se encontra na área de desenvolvedores. Mas vemos que a capacidade de abordar corretamente o mercado e liderar equipes de marketing, vendas e suporte também são um grande desafio. Esse ponto é especialmente complexo uma vez que o ambiente externo parece criar uma tempestade perfeita que dificulta o crescimento das startups.
CAC cada vez mais alto.
A competição por profissionais qualificados inflaciona o mercado e, por consequência, o CAC (custo de aquisição). Mas essa não é a única inflação que os empreendedores e fundos de investimento precisam enfrentar. O custo com mídia também tem aumentando de forma significativa. O custo do tráfego nas principais plataformas de mídia (Google e Facebook) sofreu um acréscimo de cerca de 62% no último ano nos mercados ocidentais. A pandemia ajudou a frear essa inflação por um tempo. Mas tudo indica que os próximos meses serão um pesadelo para os analistas de performance.
O cliente se auto-educa.
“A inflação da mídia é igual para todos”, diria aquele treinador de futebol que justifica o campo ruim dizendo que o gramado esburacado é um desafio para ambos times. Além do preço da commoditie da mídia, o empreendedor precisa aprender a jogar em um ambiente ainda mais complexo. O cliente tem o poder de consultar muita informação para decidir. São milhares de tutoriais, textos, artigos, e-books, vídeos e até cursos que servem de referência para o cliente definir qual é a melhor solução para o seu problema. A percepção de marca passa pelo volume e qualidade do conteúdo que esta entrega. É preciso construir autoridade num espaço de tempo mais curto e com maior otimização da verba de marketing.
Trial/freemium é o novo lead.
Quantos produtos você testa antes de decidir qual é o melhor software para a sua empresa? Quantos produtos você usa no modelo freemium e vive recebendo incentivos para fazer o upgrade pago? Ou melhor, levanta a mão quem usa gratuitamente o Trello, Slack, Zoom ou Canva? Pode baixar a mão. Vivemos um momento onde as empresas precisam mostrar rapidamente o valor que entregam antes mesmo do cliente saber mais sobre o produto. A experiência do produto se tornou um ponto-chave para o crescimento antes mesmo de gerar qualquer centavo no caixa. O trial ou freemium é o novo lead.
Retenção é a nova aquisição.
É lugar-comum no mercado de startups o dado de que custa 5 vezes mais trazer um cliente do que reter um. Essa informação já foi tão reproduzida que ficou difícil de encontrar a fonte original. Talvez esse número tenha até aumentado considerando todo cenário de escassez de recursos e inflacionário descrito acima. A verdade é que nunca foi tão importante criar comunidades. A capacidade de agregar audiência e fazer um intercâmbio transparente e honesto de entrega valor em troca de dados pessoais se tornou um grande diferencial de sobrevivência. Isso coloca a área de Customer Success como parte do time de crescimento.
CEO é o piloto e o COO é a torre de controle.
O mundo corporativo criou este padrão de sopa de letrinhas para definir hierarquias e escopos nas empresas: CEO, CMO, CTO, CIO, CPO, CDO, CIO, CSO, COO, etc. Por um lado é bastante didático para que todos entendam a função de cada um. Por outro lado, é preciso assumir o papel de liderança que cabe a cada C-level. Todos estes fatores descritos nos parágrafos anteriores nos levam a concluir que alguém precisa se responsabilizar pelo alinhamento operacional e tecnológico que envolve o contato com o cliente. O processo de aquisição de um cliente é só o começo da história. O trial do seu concorrente está a um clique de distância. A retenção passa por agregar valor continuamente no relacionamento para estender ao máximo o Life Time Value. Assim, os dados dos clientes e do negócio precisam ter uma visão única e acessível a todos, além de impulsionar a automação da comunicação. Os processos entre os times de Marketing, Vendas e Customer Success precisam ser fluidos e suaves. Logo, o Chief Operating Officer (COO) é o cargo que ganha relevância para gerar os resultados e integrar os CMO, CRO, CCO e outros CXO que a empresa tiver.
O desafio de formar times de alto desempenho.
O resultado de um time não é somente a soma dos talentos. É a organização desses talentos em funções e a atividades em busca de um resultado específico. A capacidade de aprender, evoluir e se adaptar a esse cenário desafiador é um diferencial competitivo. Para que isso aconteça, as lideranças também precisam evoluir uma vez que temos um cenário de escassez de talentos, principalmente, nos níveis de gestão. Acelerar esse aprendizado através de consultorias especializadas é algo que deve constar nos orçamentos para reduzir as chances de fracasso.
O ambiente competitivo que vivemos hoje tem um ingrediente de globalização diferente daquele que vivemos até poucos anos atrás. A economia digital gira numa velocidade muito maior do que commodities e produtos transitando de um país para o outro. Para que as nossas empresas consigam ter essa competitividade global, seus profissionais precisam se capacitar no mesmo nível. Só vai aproveitar o vento a favor do mercado quem tiver talento e experiência para enfrentar as ondas desse mar agitado.