A responsabilidade das empresas no assunto do documentário da Netflix.
A Netflix lançou um documentário chamado O Dilema das Redes onde se abre mais um capítulo da longa discussão que temos nos últimos anos sobre o compartilhamento e uso de dados pessoais. Se você não viu o documentário, precisa parar tudo assistir imediatamente. E depois faça toda sua família assistir esse documentário. Principalmente se você tem adolescentes em casa. Para quem acompanha o mercado da tecnologia, não é nenhuma novidade o fato de que as grandes empresas de tecnologia, também conhecidas como Big Techs, lucram com os dados que deixamos em suas plataformas. Do ponto de vista mercadológico isso parece absolutamente inofensivo e até conveniente quando recebemos recomendações de produtos mais adequados ao nosso perfil de consumo. Porém o documentário vai além. Mostra um lado bastante desconhecido da maioria em relação a como as plataformas são programadas para nos manter conectados por mais mais e tempo. O foco do documentário é o efeito colateral negativo: o vício dos algoritmos. Facebook, Instagram Twitter, YouTube, Amazon e todas as grandes empresas de tecnologia utilizam nossos dados de comportamento para nos manterem conectados infinitamente em suas plataformas. Em resumo, nós somos o produto que as plataformas comercializam com os anunciantes. O documentário vai além do senso comum e mostra como essa mesma capacidade de aprendizado em relação ao nosso comportamento faz com que as plataformas sejam usadas para distorcer a realidade, distribuindo fake news e dividir a sociedade colocando as pessoas umas contra as outras. Por isso, assistir este filme na Netflix é um dever como ser humano consciente.
Isso tudo parece meio assustador se pensarmos que não temos controle sobre os nossos dados. Mas é aí que entra a lei geral de proteção de dados e outras legislações que devem proteger as pessoas e dar autonomia sobre a decisão de compartilhamento das suas informações. Cada indivíduo deveria ser consciente de onde e como seus dados estão sendo utilizados em tempo real. O filme deixa claro que essa falta de informação sobre como nossos dados são utilizados nos tornam uma espécie de escravos digitais.
As Big Techs ganharam esta alcunha, pois são um punhado de empresas: Facebook, Google, Amazon, Apple, Microsoft (até mesmo a Netflix) no ocidente. Alibaba, Tencent, Baidu na China e alguns países orientais. Quando olhamos para nosso mercado local, ainda são raros os exemplos de empresas que utilizam dados numa escala individualizada para recomendação de conteúdo, produtos, serviços e customização em massa. Quando falo em mercado local, estou me referindo ao Brasil e não do mercadinho da esquina. São poucas as empresas nacionais que digitalizaram sua experiência de consumo e utilizam dados para customização em massa. O que normalmente as empresas fazem é o que todos nós consumidores fazemos: entregaram seus dados para as Big Techs. As empresas priorizam investimentos em redes sociais e marketplaces ao invés de construir uma relação própria com seus consumidores dentro de um ambiente controlado por elas mesmas. Isso significa que os mercados em desenvolvimento como o Brasil contribuem para a perpetuar o efeito colateral negativo das grandes empresas de tecnologia. O documentário deixa bem claro que elas não estão fazendo grandes esforços para consertar seu erro de programação e o efeito colateral nas democracias.
Um empresa não ser orientada a dados é equivalente a não trabalhar com contabilidade (que nada mais é do que organização de dados contábeis). Você pode dar sorte no início, mas cedo ou tarde vai cometer um erro causado pela falta de organização financeira ou fiscal. Ou seja cada vez mais os empreendedores precisam estudar e compreender a tecnologia para não se tornarem ainda mais dependentes. Se você não planeja a coleta, organização e o uso de dados para sua empresa, o seu destino é depender de outra empresa que tem um plano bem estabelecido para isso. Dados são a chave para a sua autonomia em um mundo de negócios em rede.
A experiência de marca e consumo estão se tornando cada vez mais individualizados. Recomendações de produtos e serviços são orientados em dados únicos de cada um dos seus clientes. Não estou falando somente de comportamento, mas também de dados de momento, geográfico e até outros consumidores próximos. Afinal somos influenciados pelos nossos pares e os nossos desejos de consumo se alteram conforme quem está próximo de nós. Da mesma forma que cada ser humano se torna um escravo digital ao desconhecer como seus dados estão sendo usados, as empresas também se tornam dependentes ao entregarem os dados dos seus consumidores às Big Techs. O que o documentário não fala é que os anunciantes que financiam este uso indiscriminado de dados também estão se tornando escravos digitais.