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A crença de que a queda nos custos dos modelos de linguagem salvaria as assinaturas de IA está colapsando diante da realidade operacional. A combinação entre a explosão do consumo, a pressão cognitiva dos usuários e a permanência da fronteira de custo revela uma armadilha estrutural. A única saída passa por novos frameworks estratégicos: pricing baseado em uso, integração vertical e construção de switching costs elevados.


A armadilha da eficiência ilusória

Entramos na era da escalabilidade imaginária. Fundadores e investidores embarcaram em uma narrativa sedutora. Com base na observação de que os custos dos modelos de linguagem estavam caindo drasticamente, muitos assumiram que o crescimento subsidiado hoje garantiria margens extraordinárias amanhã. A lógica parecia sólida. Crescer agora, monetizar depois. Mas essa aposta ignorou uma variável crítica. O comportamento cognitivo dos usuários evolui mais rápido que a deflação da infraestrutura, conforme explica o Ethan Ding neste artigo muito didático.

A expectativa de performance é sempre máxima. A tolerância a imperfeições é mínima. O resultado? Margens cada vez mais negativas, mesmo com tokens mais baratos.

A questão agora é estratégica. Como construir um negócio de IA sustentável quando a demanda por qualidade se acelera a cada ciclo?


O Go-To-Market Ilusório: Quando o crescimento engole a margem

O playbook tradicional era conhecido. Sacrifique margem no curto prazo, conquiste mercado, e depois colha os frutos quando a tecnologia baratear. A lógica assumia três fases.

Na primeira fase, a operação é mantida no ponto de equilíbrio, oferecendo um produto a vinte dólares por mês. Na segunda fase, a promessa é que os custos computacionais caiam dez vezes. Com isso, as margens se tornariam extraordinárias. Na terceira fase, os lucros supostamente financiariam expansão, novas linhas de produto e retorno para os investidores.

No entanto, o que não foi previsto é que o custo por tarefa aumentaria conforme a complexidade das tarefas evolui. A cada novo ciclo, a IA se torna mais capaz. Isso, por sua vez, gera uma explosão na quantidade de tokens consumidos por interação. O resultado é uma curva que parece deflacionária à primeira vista, mas que na verdade é inflacionária no custo real por entrega cognitiva.

A eficiência técnica foi sequestrada pela demanda comportamental.


A Economia dos Modelos Frontier: A nova fronteira de custo e valor

Na prática, os usuários não querem o modelo mais barato. Eles querem o melhor modelo. Essa é a lógica dominante na adoção dos chamados modelos frontier. A cada lançamento de um novo modelo de ponta, como o GPT-4 ou o Claude 3 Opus, a demanda se desloca quase totalmente para ele. Modelos anteriores, mesmo com cortes de preço significativos, se tornam rapidamente obsoletos.

Esse comportamento não é irracional. Ao interagir com um sistema cognitivo artificial, os usuários desejam respostas mais rápidas, mais completas e mais precisas. A diferença de performance entre modelos pode representar horas de produtividade poupadas ou decisões críticas melhor fundamentadas.

Utilizar uma versão inferior para economizar é uma ideia que morre no momento em que o tempo do usuário é percebido como mais valioso que o custo da inferência.

É por isso que os modelos mais antigos se tornam tão irrelevantes quanto um celular com teclado físico em meio a uma geração de smartphones.


A Bomba Relógio dos Tokens: Como a IA se torna insustentável mesmo ficando mais barata

Outro fenômeno passou despercebido por muitos operadores. A cada novo avanço em capacidades, os modelos se tornam não apenas mais inteligentes, mas também mais intensivos em uso de tokens. O que antes era uma troca de uma ou duas frases, hoje é uma sessão de planejamento, pesquisa, leitura de documentos longos e reescrita otimizada.

A duração das tarefas está dobrando a cada seis meses. O consumo de tokens acompanha esse ritmo.

Hoje, uma tarefa de pesquisa profunda pode consumir cem mil tokens. Com agentes autônomos em execução assíncrona, rodando por horas ou mesmo dias, é realista imaginar interações que custem dezenas de dólares por usuário. Isso apenas para um uso regular, sem contar múltiplos agentes operando em paralelo.

Nesse cenário, um plano fixo de vinte dólares por mês não cobre nem um único dia de uso intensivo. E o modelo de pricing flat-rate começa a implodir.

Trata-se de um paradoxo clássico da inovação. A eficiência da infraestrutura aumenta, mas a capacidade da tecnologia de realizar tarefas mais complexas consome toda a eficiência conquistada. Mais milhas por galão, mas em um caminhão monstruoso que consome cinquenta vezes mais combustível.


O Colapso dos Flat Rates: Exemplos reais e o custo da ingenuidade estratégica

Claude Code, da Anthropic, tentou enfrentar esse cenário com criatividade técnica e ousadia comercial. A proposta era clara. Um plano de duzentos dólares por mês, com consumo ilimitado. Um valor dez vezes superior à média do mercado, para criar uma margem de manobra maior.

Além disso, implementaram soluções engenhosas. Alternância entre modelos mais caros e mais baratos com base na carga. Otimização de leitura com modelos econômicos. Deslocamento de tarefas para os dispositivos dos próprios usuários.

Tudo isso representou uma nova forma de engenharia cognitiva e de orquestração de inferência. Mesmo assim, foi insuficiente.

O consumo explodiu. Usuários encontraram formas de transformar o produto em uma máquina de transformação contínua. Rodavam código, refatoravam, otimizavam e reavaliavam. Sem interação humana direta, mas com uso constante. O resultado foi um salto de mil para dez bilhões de tokens em um único mês.

Isso corresponde a mais de doze mil cópias de “Guerra e Paz” lidas ou geradas.

Diante dessa avalanche, a empresa foi forçada a encerrar o plano ilimitado. Não havia precificação que sustentasse esse tipo de uso.

Outros exemplos, como Windsurf, mostram que mesmo com bons produtos e base de usuários engajada, a pressão de concorrentes flat-rate e os custos operacionais tornam a sobrevivência impossível.


Os Três Caminhos Estratégicos para Evitar o Colapso dos Custos

A primeira saída é o pricing baseado em uso desde o início. Não há subsídios, nem planos de monetização futura. A empresa cobra pelo que o cliente consome. Apesar de ser economicamente racional, é comercialmente difícil. Usuários preferem previsibilidade a justiça. Modelos de precificação baseados em medição encontram resistência, especialmente no mercado consumidor. Mesmo assim, alguns players B2B estão adotando esse caminho com sucesso.

A segunda opção é a construção de switching costs extremos. Empresas como Devin estão apostando em grandes contratos com instituições financeiras. O ciclo de venda é longo e custoso, mas o nível de retenção é absoluto. Após uma integração de seis meses, com aprovação do compliance e validação técnica, o cliente se torna irremovível. Ninguém deseja passar por esse ciclo novamente. E com isso, a sensibilidade ao preço desaparece. É o mesmo modelo que sustentou gigantes como Salesforce e Oracle ao longo das décadas.

A terceira estratégia é a integração vertical. Essa é a abordagem da Replit. A IA serve como porta de entrada. A monetização ocorre em todas as outras camadas: infraestrutura, hospedagem, banco de dados, deploy, monitoramento. Cada linha de código gerada dentro do ambiente da empresa cria demanda por serviços complementares, todos integrados. A IA deixa de ser produto e passa a ser marketing. Não se vende inferência. Vende-se o ambiente completo onde a inferência opera.


Não é bolha da IA. É o fim da era dos subsídios

A crença de que a queda dos custos computacionais sustentaria modelos flat-rate foi desmentida pela realidade da complexidade crescente. O comportamento dos usuários se adapta mais rápido do que a tecnologia consegue se tornar mais eficiente.

Em vez de planos ilimitados, o futuro será construído sobre modelos com pricing justo, switching costs altos e captura de valor em múltiplas camadas da stack.

As empresas que entenderem isso a tempo construirão vantagem competitiva duradoura. As que insistirem na velha narrativa do crescimento a qualquer custo, apenas adiarão a inevitável liquidação.