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Poucas tecnologias recentes geraram tanto entusiasmo quanto a inteligência artificial. E poucas, ao mesmo tempo, enfrentaram uma resistência tão previsível. Como toda inovação que promete mexer com estruturas consolidadas, a IA chega carregando promessas de transformação, seguidas de um coro de vozes preocupadas, alertando que talvez, só talvez, isso tudo seja apenas mais um hype. É a reação clássica. Quanto maior a mudança, maior a ansiedade dos que preferem o mundo como ele é.

Mas sejamos justos com os céticos. Eles têm seus dados. Pesquisas do Pew Research Center mostram que 59% do público americano e 55% dos especialistas em IA têm pouca ou nenhuma confiança nas empresas para usá-la de forma responsável. E 62% dos cidadãos desconfiam que o governo consiga regulá-la adequadamente. Ora, como confiar em qualquer coisa quando se vive num ambiente de desconfiança generalizada? A IA apenas herdou essa descrença, ainda que o que ela proponha seja justamente criar estruturas mais inteligentes para lidar com o que o humano não dá mais conta.

Em ambientes profissionais, o tom não é muito diferente. Um estudo da Statworx aponta que menos de um terço dos trabalhadores acredita que a IA tornará o trabalho mais interessante. Apenas um quarto vê espaço para mais criatividade. E um em cada quatro acha que os benefícios vão apenas para as empresas. Ou seja, boa parte dos profissionais olha para a IA como quem vê um colega novo no escritório que trabalha bem demais. Melhor manter distância, vai que ele impressiona o chefe, né?

Profissionais de Compliance, por exemplo, têm manifestado desconfiança crescente. Segundo a Accounting Today, já não acreditam que a IA resolva mais problemas do que crie. Talvez porque seja difícil competir com algoritmos que não pedem férias, nem erram por cansaço.

Curiosamente, no topo das empresas, o tom é outro. A Bain & Company mostra que executivos seguem otimistas, investindo, testando, explorando possibilidades. Quando a IA não entrega, culpam a imaturidade dos dados ou a falta de preparo interno. Não desistem. Por quê? Porque percebem o potencial transformador da tecnologia. O ceticismo, ao que parece, tem uma barreira de hierarquia.

Sim, ainda há desafios éticos e técnicos. E sim, nem tudo funciona como nos filmes de ficção científica. Mas a IA já demonstra seu valor em áreas tão distintas quanto medicina, logística, finanças, energia e, claro, na própria formulação de estratégias empresariais. O que não está claro é por que o ceticismo insiste em ignorar as evidências.

De acordo com a Forbes, 76% dos consumidores se preocupam com desinformação gerada por IA. Justo. Mas convém lembrar que a desinformação já prosperava antes, com ou sem algoritmos. A IA apenas potencializa o que já está no sistema (inclusive os medos).

A última pesquisa da YouGov aponta que 44% dos americanos se dizem céticos quanto à IA. É um dado considerável. Mas não necessariamente uma ameaça. Afinal, grandes tecnologias sempre conviveram com a desconfiança. A diferença agora é que, ao contrário do que ocorreu com o telefone, a internet ou o avião, a IA pode estar ouvindo tudo isso. E aprendendo.

Talvez o verdadeiro sinal de que a inteligência artificial está no caminho certo seja o próprio ceticismo que ela provoca. Toda grande transformação começa com descrença. Depois vem a aceitação. E por fim, o espanto: “como vivíamos sem isso?”